No passado dia 14 sucedeu-se na capital francesa
os habituais festejos da Queda da Bastilha. Para além de comemorar os 225 anos do
início da Revolução Francesa, este ano a organização trouxe uma novidade
temática - assinalar os 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial.
A partida, pode parecer estranha a ideia de
comemorar no mesmo evento o Dia da Bastilha e o Centenário da Grande Guerra.
Que sentido haveria em assinalar um acontecimento do século XVIII e outro do
século XX na mesma ocasião? A resposta pode ser encontrada no decorrer dos 125
anos que os separaram.
O quatorze juillet, como os franceses o chamam, é o principal feriado secular do país e a
sua parada militar sobre os Campos Elísios é a maior e mais antiga da Europa. A
origem das comemorações remonta a 14 de Julho de 1790, o primeiro aniversário
da revolução, que reuniu no Campo de Marte, em Paris, mais de trezentas mil
pessoas. Em meio ao clima fraterno e solene, povo e rei juraram defender e
respeitar a Constituição decretada pela Assembleia Nacional. Estava fundada a
França como nação.
A Festa
da Federação, como então ficou conhecida, tinha como objectivo primário criar um
consenso nacional e evitar o processo contra-revolucionário. Ali, dentro
de um gigantesco anfiteatro, reunia-se povo, clero e realeza. Neste primeiro 14
de Julho a França ainda não era uma república, a monarquia não foi contestada,
a união nacional foi celebrada e a revolução resguardada. Como sabemos, este
cenário não perdurou e em 1793 Luís XVI foi levado à guilhotina.
Foi
somente em 1880 que a Terceira República tornou oficialmente o 14 de Julho o
feriado nacional. O século XIX havia se revelado política e socialmente instável em
França. Porém, no final desta centúria, o país continuava a ser uma potência,
lançando-se na corrida colonial a todo o gás quanto a segunda revolução industrial
permitisse. A República precisava assim de construir um imaginário nacional
onde se pudesse assentar o regime.
A 8 de
Junho a proposta de lei de Benjamin Raspail, membro da Assembleia que
propôs o dia da Bastilha como feriado republicano, foi aprovada. No dia 29 do
mesmo mês foi ratificada e a 6 de Julho do mesmo ano, promulgada. As
comemorações decorreram através de cerimónias seculares nas escolas,
inauguração de estátuas republicanas, badalar de sinos e hastear de bandeiras.
Por sua vez, o nacionalismo francês, humilhado após a derrota frente aos prussianos em 1871, estava agora mais fervilhante e misturava-se com o desejo amargo da revanche. A Marianne, personificação feminina da República, apelava aos cidadãos por um esforço nacional. O exército, personificação viril da República, tinha agora a missão de resgatar aqueles que, na Alsácia e na Lorena, ansiavam por serem salvos.
O século XIX assistiu ao despertar romântico
das nações, e, a semelhança da França, as outras potências
europeias possuíam igualmente estratégias culturais que apelavam ao nacionalismo
exacerbado e ao militarismo agressivo. Na chamada Belle Époque, o avanço civilizacional, a fé no progresso
e a esperança em manter a paz não se sobrepuseram ao desejo de revanche
e a apologia a guerra. O momento que todos esperavam, mas que ninguém acreditava vir a acontecer, chegou no verão de 1914. Há cem anos atrás.
Durante a Primeira Guerra Mundial morreram
cerca de nove milhões de soldados de Infantaria, Marinha e Força Aérea e
calcula-se que tenham morrido cinco milhões de civis.
Duas semanas antes do centésimo aniversário da declaração austro-húngara de guerra à Sérvia, a qual deu início a Grande Guerra, desfilaram em Paris representantes de todas as nações envolvidas no conflito. Fizeram-se representar antigas colónias e metrópoles, antigos aliados e inimigos, homens e mulheres, soldados e civis, feridos e mutilados, órfãos e viúvos, sobreviventes e tombados em combate.
Toda esta simbologia pretende entregar uma mensagem universal de paz e amizade, que reflecte os esforços de reconciliação feitos através de um século.
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Fernando P. C.
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